
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002139-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS
APELANTE: MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ELEANDRO RODRIGUES CORDEIRO - MS19791-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002139-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS
APELANTE: MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ELEANDRO RODRIGUES CORDEIRO - MS19791-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL LOUISE FILGUEIRAS (RELATORA):
Trata-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público Federal (ID 309690523), contra a r. decisão monocrática de ID 299975582, que deu provimento ao recurso de apelação da parte autora a fim de reformar a sentença e julgar procedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada.
Alega o agravante as seguintes matérias:
A) Ausência dos requisitos necessários para acesso ao BPC/LOAS.
Contrarrazões apresentadas pela parte agravada em ID 310023984.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002139-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS
APELANTE: MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ELEANDRO RODRIGUES CORDEIRO - MS19791-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL LOUISE FILGUEIRAS (RELATORA):
Trata-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público Federal, contra a decisão monocrática assim proferida:
"A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada à pessoa portadora de deficiência (ID 295811379, folhas 1/9).
Concedidos os benefícios da Justiça Gratuita (ID 295811379, folhas 35/37).
Laudo Médico Pericial (ID 295811379, folhas 71/86) e Estudo Social (ID 295811379, folhas 98/105) realizados no curso da instrução processual.
O juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido, assim o tópico final da sentença (ID 295811379, folhas 127/130):
"Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito da demanda, julgando improcedente o pedido formulado na inicial.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme art. 85, do CPC, já considerando o grau de zelo do profissional, a importância e a complexidade da causa, o tempo e o lugar da prestação do serviço, cujas exigências ficam condicionadas, a teor do art. 98, §§2º e 3º, do Código de Processo Civil, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Requisitem-se os honorários periciais do médico e do assistente social, caso ainda não requisitados
Transitada em julgado, oportunamente arquive-se com as cautelas de estilo.
Publique-se. Registre-se. Intime-se."
Apelação interposta pela parte autora (ID 295811379, folhas 140/151) sustentando que estão presentes os requisitos para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos para este E. Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (ID 295874339).
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Cabível o julgamento monocrático deste apelo, nos termos do artigo 932 do Código de Processo Civil de 2015, em atenção aos princípios constitucionais da celeridade e razoável duração do processo, haja vista o entendimento dominante sobre o tema em questão (Súmula 568/STJ, aplicada por analogia).
O recurso de apelação preenche os requisitos normativos de admissibilidade e, portanto, é conhecido.
A controvérsia havida no presente feito cinge-se à análise do implemento dos requisitos legais necessários a garantir à parte autora o recebimento de benefício assistencial de prestação continuada.
1. DOS CRITÉRIOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência econômica em que se encontram, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Nesse aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/1993, com redação dada pela Lei n.º 14.176, de 22 de junho de 2021, e o artigo 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), com redação dada pela Lei n.º 14.423, de 22 de julho de 2022, rezam:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo."
(...)
"Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
O apontado dispositivo legal, artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, se aplicável ao idoso, resulta numa forma de limitação do mandamento constitucional, pois conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, e por força do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003, excluindo-se a renda daquele que já recebe o benefício de prestação continuada.
A interpretação deste último dispositivo legal (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei n.º 8.742/93.
Ressalte-se ainda, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto n.º 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o artigo 4º, inciso VI e o artigo 19, caput e parágrafo único do referido decreto:
"Art. 4º Para fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19."
(...)
"Art 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento.
Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4º, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família."
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei n.º 8.742/1993 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, proposta pelo INSS, o acórdão do STF restou assim ementado, publicado no DJ de 1º.4.2005, páginas 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie:
"RECLAMAÇÃO. SALÁRIO MÍNIMO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E IDOSO. ART. 203. CF.
- A sentença impugnada ao adotar a fundamentação defendida no voto vencido afronta o voto vencedor e assim a própria decisão final da ADI 1.232. Reclamação procedente."
O resultado desse julgamento significou afirmar que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensável elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Porém, o critério não é excludente de outras considerações acerca da hipossuficiência econômica que dá azo ao BPC no caso concreto, nem das prescrições do Estatuto do Idoso, quanto à renda de um salário mínimo que é devida ao maior de 65 anos em caso de não ter meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida por familiares.
É fato que esta 8ª Turma tem decidido que referido critério - montante igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo - não é o único para aferir a HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA que legitima a concessão do benefício, vendo-se de trechos de acórdãos da lavra da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta e do Desembargador Federal Toru Yamamoto o seguinte:
"Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos."
(Apelação Cível n.º 5002154-51.2023.4.03.9999, rel. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, julgamento 28.6.2023)
(...)
"2. No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 14.176/2021, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, adotado pelo Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03); Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); e Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001)."
(Apelação Cível n.º 5071229-80.2023.4.03.9999, rel. Desembargadora Federal Toru Yamamoto, julgamento 27.11.2023)
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à DEFICIÊNCIA, dispõe o § 2º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/1993:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
A Lei n.º 8.742/1993 diferenciou o conceito de deficiência da incapacidade para o trabalho, considerando "pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
É dizer, o requisito da deficiência recebeu, com a legislação, para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, exigência menor quando em confronto com a incapacidade para o trabalho.
Pessoa com deficiência, pois, para o fim de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, é aquela que tem impedimento de longo prazo, consideradas as barreiras que enfrenta em seu contexto específico de vida.
1.1 DAS EXCLUSÕES DE VALORES DO CÁLCULO DA RENDA MENSAL PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR DECORRENTES DE LEI
Da prescrição do artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, transcrito acima, resulta que a interpretação do requisito da hipossuficiência econômica necessário para a configuração do direito ao Benefício de Prestação Continuada nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, resulta na necessidade de se excluir, do cômputo da renda mensal familiar o valor de um salário mínimo recebido a título deste benefício, ou de outro, ou do mesmo valor em termos de renda de qualquer natureza, inferindo-se disso que o idoso ou pessoa com deficiência que não tenha meios de prover a sua subsistência ou tê-la provida pelo seu núcleo familiar deve ter garantido pelo Estado, de modo personalíssimo, o acesso ao mínimo necessário para a subsistência, ou seja, pelo menos um salário mínimo por mês.
Segundo declarou em seu voto o E. Ministro Benedito Gonçalves no REsp n. 1.355.052/SP, alçado a sistemática dos recursos repetitivos, referindo-se à exclusão de renda determinada no artigo 34 do Estatuto do Idoso:
"O normativo informa que o valor recebido por idoso, a partir dos 65 anos de idade e a título de benefício de prestação continuada, não deve fazer parte da renda da família de que trata o artigo 20, § 3º, do da Lei n. 8.742/93. É dizer, o idoso que completa 65 anos de idade e não provê a sua subsistência ou não a tem provida com o auxílio da família não deve compor a dimensão econômica do núcleo familiar quando em análise a concessão de outro benefício assistencial a idoso. E isso se deve porque a renda mínima que ele recebe é personalíssima e se presta, exclusivamente, à sua manutenção, protegendo-o da situação de vulnerabilidade social. Assim, a proteção aos idosos aqui tem nítido caráter assistencial. Ora, não há distinção constitucional entre vulneráveis (idosos e deficientes) e não há norma na Lei Orgânica da Assistência Social a garantir às pessoas com deficiência o mesmo amparo que o parágrafo único do artigo 34 da Lei n. 10.741/03 garante aos idosos." (grifei).
Eis a ementa do acórdão, de cujo voto condutor se extraiu o excerto acima:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se:
Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."
(REsp n. 1.355.052/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25.2.2015, DJe de 5.11.2015)
No julgamento acima citado firmou-se o TEMA 640, na sistemática dos recursos repetitivos:
"Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93."
Nesse sentido, ainda, da fungibilidade dos benefícios para fins desta exclusão e da tese do valor mínimo reservado ao idoso ou deficiente, a partir da sua vulnerabilidade social, confira-se a ementa do RE 580.963/PR, submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou inconstitucional por omissão o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), na medida em que deixou de contemplar outras situações de igual vulnerabilidade a dos idosos, como a dos deficientes, bem como pela restrição relativa a exclusão de outras formas de renda, como benefícios previdenciários recebidos no valor de um salário mínimo por componentes do núcleo familiar na exclusão prevista no citado dispositivo legal:
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (grifei).
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18.4.2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13.11.2013 PUBLIC 14.11.2013)
Portanto, nos é dado concluir que o benefício mensal de um salário mínimo, recebido por qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não afasta a condição de hipossuficiência econômica do núcleo familiar para os fins do BPC/LOAS, quando nele se inclua pessoa idosa ou com deficiência. Seria um evidente contrassenso se entender que o benefício mensal de um salário mínimo, na forma da LOAS, recebido por um membro da família, não impede a concessão de igual benefício a outro membro, ao passo que a concessão de aposentadoria por idade, por exemplo, no valor de um salário mínimo, nas mesmas condições, seria obstáculo à concessão de benefício assistencial.
Além disso, fixada essa premissa, dela decorre necessariamente que qualquer renda de um salário mínimo, percebida por um membro da família, independentemente da origem da receita, não poderá ser impedimento para que outro membro, cumprindo os demais requisitos exigidos pela Lei nº 8.742/93, aufira o benefício assistencial, pois a condição econômica para a subsistência é exatamente igual àquela situação de que trata o parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003.
Além disso, reitere-se, a regra não pode deixar de ser aplicada no caso do deficiente ou do "incapaz para a vida independente e para o trabalho”, porquanto economicamente não se pode dizer que são situações distintas.
1.2. DA AMPLIAÇÃO DO CRITÉRIO DE AFERIÇÃO DA RENDA FAMILIAR MENSAL
O artigo 20-B, incisos I a III e §§ 1º a 3º da Lei n.º 8.742/1993:
"Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
I – o grau da deficiência;. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei."
Vale dizer, ao lado do critério de cálculo da renda por indivíduo, para fins de aferição da vulnerabilidade econômica também são considerados o grau da deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária e o comprometimento do orçamento do núcleo familiar, aí em conta despesas "com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida".
No juízo do Superior Tribunal de Justiça ao firmar a seguinte tese no Tema Repetitivo 185: "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo." (STJ, REsp n.º 1.112.557/MG, Terceira Seção, relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 28.10.2009, acórdão publicado em 20.11.2009).
Ementa e acórdão assim redigidos:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz."
2. DO CASO CONCRETO
O laudo médico pericial (ID 295811379, folhas 71/86), conforme exame realizado em 24.03.2023, revela que a parte autora, com 61 anos de idade à época da perícia, fora acometida por perda de visão no olho direito há 10 anos devido a um glaucoma e que encontra-se em tratamento de glaucoma no olho esquerdo.
Consta que cursou até a 4ª série do ensino fundamental e trabalhou como empregada doméstica.
Saliento que tenho reconhecido a possibilidade de concessão do benefício assistencial - reconhecido a presença da deficiência - quando a parte autora tem idade avançada, baixa escolaridade e dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, elementos todos verificados diante do conjunto probatório produzido nos autos.
A autora, em sua apelação, sustenta que a visão monocular é fato incontroverso no caso concreto, e deve ser tratada de acordo com a previsão legal, como uma deficiência sensorial apta a preencher o primeiro requisito legal para a concessão do benefício de prestação continuada almejado- LOAS.
Vê-se que tanto o senhor perito quanto o juiz de primeiro grau mais se preocuparam com o exame da capacidade laboral da autora, quando, como já asseverado, a deficiência não se confunde com a incapacidade para o trabalho.
Deficiência que é vista com exigências menores para o seu reconhecimento em comparação com o exame da incapacidade para o trabalho, deficiência que é caracterizada pelo impedimento de longo prazo que coloca a pessoa diante de barreiras que enfrenta considerando seu contexto específico de vida.
O que não significa reconhecer a deficiência tão somente pela constatação da visão monocular, diante do teor da Lei n.º 14.126/2021 (Classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual), mas significa examinar a questão considerando não somente a capacidade para o trabalho e sim examinando se há deficiência partindo-se da Lei n.º 14.126 e ao lado da situação concreta.
Nessa linha de raciocínio, se a autora apresenta cegueira de um olho, dizendo que refere início dos sintomas há 10 anos (conforme resposta do perito ao quesito 12 do laudo pericial), bem como encontra-se em tratamento para a mesma enfermidade no olho esquerdo, o impedimento de longo prazo está presente, quando menos porque sua participação social e o desempenho das atividades mais corriqueiras nunca foram em igualdade de condições com as demais pessoas.
Mais, não se pode esquecer que a análise da deficiência, é certo, vem sempre atrelada ao contexto social e econômico que a parte autora suporta em seu dia a dia, sempre se devendo saber em qual contexto a autora está inserida.
Trago, para registro, o inteiro teor da Lei n.º 14.126, de 22 de março de 2021, apenas com o fim de reforçar que a visão monocular é classificada como deficiência sensorial, do tipo visual:
"LEI Nº 14.126, DE 22 DE MARÇO DE 2021
Classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais. (Vide)
Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de março de 2021; 200o da Independência e 133o da República."
Na hipótese, presente a deficiência.
No caso, o exame será unicamente da condição de hipossuficiência econômica, motivo da cessação do benefício, razão pela qual não se questiona a condição de deficiente da parte autora.
Do exame da vulnerabilidade econômica, para efeito do pedido de concessão do benefício.
O estudo social (ID 295811379, folhas 98/105), em visita realizada em 09/08/2023, revela que o núcleo familiar é composto pela parte autora, Sra. Maria de Lourdes Lima de Souza e seu esposo, Sr. Israel Antônio de Souza (69 anos de idade). Possuem um filho, Sr. Ismael Antônio de Souza que possui família própria e mora em outra localidade.
A casa onde reside a autora e sua família é própria, construída em madeira, porte médio, possui forração, cobertura em telha e condições gerais de segurança e preservação da individualidade de seus membros. Em seu interior guarnecem eletrodomésticos e mobílias de uso diário, em bom estado de conservação.
A subsistência da família advém tão somente do benefício de prestação continuada recebido pelo Sr. Israel, no valor de 1 salário mínimo. O filho do casal é pastor em uma igreja evangélica e os apoia materialmente sempre que possível.
Despesas da família e o cálculo, assim: i) alimentação (R$ 800,00), ii) água (R$ 170,00), iii) medicação (R$ 300,00), gás (R$ 100,00). Total R$ 1.370,00.
No presente caso, o benefício de prestação continuada recebido pelo Sr. Israel, não será computado para fins de concessão do benefício de mesma natureza pleiteado pela autora, no cálculo da renda per capita, conforme se depreende da leitura do art. 20, §§ 3º e 14 da Lei 8.742/93:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo."
A significar que o exame da vulnerabilidade econômica começa com a renda auferida pelo núcleo familiar, depois sendo adicionados os demais elementos probatórios colhidos na instrução.
Na hipótese em que, considerando as exclusões legais, não haja renda remanescente, é evidente que a situação é de vulnerabilidade ou hipossuficiência econômica, para fins de concessão do BPC/LOAS.
Todos os elementos reunidos, tenho que há deficiência e hipossuficiência econômica caracterizadora da situação de vulnerabilidade necessária ao direito ao BPC/LOAS, inserindo-se a parte autora no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou a amparar, razão pela qual é ele devido.
Dos valores vencidos
Condeno a parte requerida a pagar à parte autora as prestações vencidas desde a DER (09.09.2021 - ID 295811379, folhas 25/26), e não pagas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros moratórios, na forma do aqui exposto.
Da prescrição
"Em matéria de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, não corre a prescrição do fundo de direito do benefício pretendido ou indeferido na via administrativa, prescrevendo apenas as parcelas anteriores aos 5 anos que precederam a data do ajuizamento da ação, conforme dispõe o referido parágrafo único do art. 103 da Lei n.º 8.213/1991, e nos termos da Súmula n.º 85 do Superior Tribunal de Justiça." (8ª Turma; Apelação Cível n.º 5174462-64.2021.4.03.9999; relator o Juiz Federal Convocado Denilson Branco; relatora para acórdão a Desembargadora Federal Therezinha Cazerta; j. 2.10.2023, maioria de votos).
Consectários legais
Diante da necessidade de serem uniformizados e consolidados os diversos atos normativos afetos à Justiça Federal de Primeiro Grau, bem como os Provimentos da Corregedoria desta E. Corte de Justiça, a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª Região (Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005) é expressa ao determinar que, no tocante aos consectários da condenação, devem ser observados os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal, os quais, no que diz respeito às normas atualmente aplicáveis à matéria previdenciária, seguem brevemente esclarecidos abaixo.
Com relação à correção monetária, cabe pontuar que o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, foi declarado inconstitucional por arrastamento pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, em relação à incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento, e reitere-se, como índice de correção monetária.
Note-se que neste primeiro momento, a declaração de inconstitucionalidade limitou-se a afastar a TR como índice de correção monetária aplicável à atualização dos precatórios. Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação, que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento.
Ainda a respeito do tema, insta considerar que, no dia 20/09/2017, no julgamento do RE nº 870.947, com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR, também para a atualização da condenação.
No mesmo julgamento, porém, em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a aplicação da TR, isto é, do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
Mais ainda, deve-se se aplicar aos débitos previdenciários a súmula 148 do C.STJ: "Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei nº 6.899/81, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”. (Terceira Seção, j. 07/12/1995)
Da mesma forma, incide a súmula 8 deste E. Tribunal: “Em se tratando de matéria previdenciária, incide a correção monetária a partir do vencimento de cada prestação do benefício, procedendo-se à atualização em consonância com os índices legalmente estabelecidos, tendo em vista o período compreendido entre o mês em que deveria ter sido pago, e o mês do referido pagamento".
No que concerne a incidência de juros de mora, deve-se observar a norma do artigo 240 do CPC de 2015, correspondente ao artigo 219 do CPC de 1973, de modo que são devidos a partir da citação, à ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02; após, à razão de 1% ao mês, por força do art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança, conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
A partir da publicação da Emenda Constitucional n. 113, ocorrida em 08/12/2021, há incidência do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), como único índice remuneratório até o efetivo pagamento, nos termos do disposto pelo seu artigo 3º, que estabelece que: “Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”.
Nesse passo, é importante registrar que o C. Supremo Tribunal Federal, em 14/4/21, analisando o pedido de Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas-SIRDR nº 14, que versa sobre a incidência da Súmula Vinculante nº 17 a precatórios expedidos antes de sua edição, entendeu que “(...) não há como se considerar eventual determinação pela incidência de juros até a data do pagamento constante do título judicial executado como óbice à incidência da Súmula Vinculante 17, na medida em que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem se pacificado no sentido de que ‘juros e correção monetária não estão abarcados pela coisa julgada’, de modo que a condenação ao pagamento de juros moratórios, firmada em sentença transitada em julgado, não impede a incidência da jurisprudência da Corte sobre a matéria” – grifei.
Quanto ao ponto, cite-se o julgamento pelo C. STF do Tema 1170, "verbis":
“É aplicável às condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias o índice de juros moratórios estabelecido no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, a partir da vigência da referida legislação, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado” - grifei.
No mesmo sentido posicionou-se o C. Superior Tribunal de Justiça, conforme julgamento proferido no Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.497.616/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. em 3/5/21, DJe 5/5/2021: “(...) consoante jurisprudência do STJ, ‘os juros de mora e a correção monetária são obrigações de trato sucessivo, que se renovam mês a mês, devendo, portanto, ser aplicadas no mês de regência a legislação vigente. Por essa razão, fixou-se o entendimento de que a lei nova superveniente que altera o regime dos juros moratórios deve ser aplicada imediatamente a todos os processos, abarcando inclusive aqueles em que já houve o trânsito em julgado e estejam em fase de execução. Não há, pois, nesses casos, que falar em violação da coisa julgada” (EDcl no AgRg no REsp 1.210.516/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 25/9/2015) – grifei.
Esse mesmo posicionamento, vale referir, também tem sido acolhido no âmbito da E. 3ª Seção desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, IV, DO CPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA LEI N° 11.960/2009. ADEQUAÇÃO AO TEMA 810 STF. OFENSA À COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
Título executivo adequado pelo julgado rescindendo, ao dar parcial provimento ao recurso da agravante, mantendo a observância integral do Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal em vigor à época da execução do julgado, decidindo pela aplicação do entendimento firmado pelo C. STF no julgamento do RE 870.947, a fim de afastar a aplicação da TR na correção monetária.
A questão dos juros de mora e atualização monetária na forma instituída pelo art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, gerou inúmeros debates, sendo que o Plenário do C. STF, apenas em sessão do dia 20/09/2017, concluiu o julgamento do RE 870.947, com repercussão geral. Após, no julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos do RE 870947, em 03/10/2019, por maioria, decidiu-se não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida naqueles autos, sob o entendimento de que ‘prolongar a incidência da TR como critério de correção monetária para o período entre 2009 e 2015 é incongruente com o assentado pela CORTE no julgamento de mérito deste RE 870.947 e das ADIs 4357 e 4425’, o que se afiguraria atentatório aos postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, ‘na medida em que impede a estabilização de relações jurídicas em conformidade com o critério de correção apontado pela própria CORTE como válido’.
Entendimento reiterado no STF no sentido de não se configurar ofensa à coisa julgada quando na fase de cumprimento de sentença houver a adequação da correção monetária ao que decidido no Tema nº 810. Matéria preliminar rejeitada. Ação Rescisória improcedente.”
(AR nº 5005060-09.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nilson Lopes, v.u., j. 30/11/2022, DJe 02/12/2022)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, IV, DO CPC. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA LEI N° 11.960/2009. ADEQUAÇÃO AO TEMA 810. OFENSA À COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1 - Entendeu o v. acórdão rescindendo pela aplicação do entendimento firmado pelo C. STF no julgamento do RE 870947, a fim de afastar a aplicação da TR na correção monetária, não obstante a previsão contida no título executivo.
2 - O v. acórdão rescindendo, ao afastar a aplicação da TR prevista no título executivo, adotou entendimento do próprio C. STF, no sentido de que a modificação de critério de correção monetária com vista à adequação ao que decidido no Tema n. 810 não fere a coisa julgada. Diante disso, inviável a desconstituição do julgado com base no artigo 966, inciso IV, do CPC.
3 - Ainda que a presente rescisória tivesse sido ajuizada sob o enfoque de violação manifesta de norma jurídica, forçoso seria reconhecer a sua improcedência, dado que o r. julgado rescindendo apenas adotou um dos entendimentos possíveis à época. A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita ou ao afastamento de sua incidência no caso, desautoriza a propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF. Precedente desta E. Corte.
4. Ação Rescisória improcedente.”
(AR nº 5030002-42.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v.u., j. 15/07/2022, DJe 20/07/2022)
A jurisprudência da colenda 8ª Turma desta Corte, também merece registro, possui diversos julgados no sentido de que a legislação relativa aos consectários legais, por ser considerada de natureza processual, deve ser aplicada segundo o princípio do tempus regit actum e de imediato aos processos pendentes. A propósito, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 1.040, II, DO CPC. REPERCUSSÃO GERAL. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEL. LEI 11.960/2009. TEMA 810 DO STF. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO. JUROS PELA MORA NO PERÍODO ENTRE A DATA DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E A EXPEDIÇÃO DO REQUISITÓRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RE 579.431. TEMA 96 DO STF. JUÍZO DE RETRATAÇÃO POSITIVO.
- Reexame da matéria, à luz e tendo por limite o tema objeto de pronunciamento do STF em acórdãos paradigmas (art. 1.040, inciso II, do CPC).
- O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a legislação relativa aos consectários legais, por ser de natureza processual, deve ser aplicada segundo o princípio do tempus regit actum e de imediato aos processos pendentes.
- Nesse sentido foi o julgamento dos temas 491 e 492, que seguiram o rito dos recursos repetitivos.
- O julgamento proferido no REsp 1.565.926 demonstra bem os parâmetros existentes para a aplicação desse entendimento que pode inclusive relativizar a coisa julgada.
- A matéria atinente à correção monetária e aos juros de mora pelos índices estipulados pela Lei n.º 11.960/2009 teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal e foi enfrentada no julgamento dos temas 810 e 905, tendo o Supremo Tribunal firmado a tese de que “quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009” e “o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional”. Acrescente-se que o STF decidiu rejeitar todos os embargos de declaração opostos e não modular os efeitos da decisão proferida.
- Enfrentando o mesmo tema e considerando a declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei n.º 11.960/2009 pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese extensa a respeito da disciplina de aplicabilidade dessa legislação a depender da natureza da condenação imposta à Fazenda Pública (tema 905).
- Juízo de retratação negativo.
- O Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 96, sob o regime de repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que incidem juros de mora no período compreendido entre a data da conta de liquidação e a expedição do requisitório.
- Existência de contrariedade à tese firmada pelo STF.
- Juízo de retratação positivo. Agravo legal parcialmente provido. (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001252-50.2007.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, julgado em 13/12/2022, DJEN DATA: 16/12/2022).
Dispositivo
Posto isso, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para o fim de reformar a sentença e julgar procedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, no valor de 1 salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo, 09.09.2021.
À míngua de pedido de antecipação de tutela, e em virtude do quanto decidido no tema 692/STJ firmado a partir do julgamento REsp n. 1.401.560/MT sob a sistemática dos recursos repetitivos, mas considerando se tratar de benefício alimentar, com o trânsito em julgado, oficie-se ao INSS, com cópia desta decisão, a fim de determinar à autarquia a imediata implementação do benefício assistencial de prestação continuada em favor da parte autora, sob pena de desobediência.
Condeno o INSS no pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento). Quanto à base de cálculo, deverá ser observado o quanto decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça no Tema n. 1.105 (continuidade da incidência da Súmula 111/STJ após a vigência do CPC/2015 (art. 85), no que tange à fixação de honorários advocatícios nas ações previdenciárias), devendo a verba honorária ser fixada com base nas prestações vencidas até a decisão concessiva.
Das Custas Processuais nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal
O STJ entende que o INSS goza de isenção no recolhimento de custas perante a Justiça Federal (art. 8º, da Lei nº 8.620/1993). Cuidando-se de autos processados na Justiça Estadual somente a lei local poderá isentar o INSS das custas e emolumentos, nos moldes da Súmula 178 do C. STJ: O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios, propostas na Justiça Estadual.
Outrossim, segundo a Lei nº 9.289/96 (art. 1º, § 1º), as custas processuais nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal, regem-se pela legislação estadual.
No Estado do Mato Grosso do Sul há disposição expressa no sentido de que o INSS não está isento do pagamento (Lei Estadual nº 3.779/2009, art. 24, §§ 1º e 2º). Em São Paulo há isenção da taxa judiciária (custas) para a União, Estados, Municípios e as respectivas autarquias e fundações, nos moldes do artigo 6º da Lei Estadual nº 11.608/2003.
Os presentes autos são originários da Justiça Estadual do Estado do Mato Grosso do Sul - Comarca de Mundo Novo, de modo que a condenação ao pagamento pelo INSS deve ser mantida.
Decorrido o prazo recursal, tornem os autos ao Juízo de origem.
Intimem-se. Publique-se."
A impugnação neste agravo interno versa sobre as seguintes matérias:
A) Requisitos necessários para acesso ao benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência.
O Ministério Público Federal em seu Agravo sustenta que a decisão Id. 299975582 reformou a sentença, apesar da inexistência de impedimento de longo prazo e da ausência de hipossuficiência.
A autora requereu a concessão do benefício, na qualidade de pessoa com deficiência. Entretanto, o laudo pericial indicou ausência de impedimento de longo prazo,
Sobre o item A, a decisão assim dispôs:
"O laudo médico pericial (ID 295811379, folhas 71/86), conforme exame realizado em 24.03.2023, revela que a parte autora, com 61 anos de idade à época da perícia, fora acometida por perda de visão no olho direito há 10 anos devido a um glaucoma e que encontra-se em tratamento de glaucoma no olho esquerdo.
Consta que cursou até a 4ª série do ensino fundamental e trabalhou como empregada doméstica.
Saliento que tenho reconhecido a possibilidade de concessão do benefício assistencial - reconhecido a presença da deficiência - quando a parte autora tem idade avançada, baixa escolaridade e dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, elementos todos verificados diante do conjunto probatório produzido nos autos.
A autora, em sua apelação, sustenta que a visão monocular é fato incontroverso no caso concreto, e deve ser tratada de acordo com a previsão legal, como uma deficiência sensorial apta a preencher o primeiro requisito legal para a concessão do benefício de prestação continuada almejado- LOAS.
Vê-se que tanto o senhor perito quanto o juiz de primeiro grau mais se preocuparam com o exame da capacidade laboral da autora, quando, como já asseverado, a deficiência não se confunde com a incapacidade para o trabalho.
Deficiência que é vista com exigências menores para o seu reconhecimento em comparação com o exame da incapacidade para o trabalho, deficiência que é caracterizada pelo impedimento de longo prazo que coloca a pessoa diante de barreiras que enfrenta considerando seu contexto específico de vida.
O que não significa reconhecer a deficiência tão somente pela constatação da visão monocular, diante do teor da Lei n.º 14.126/2021 (Classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual), mas significa examinar a questão considerando não somente a capacidade para o trabalho e sim examinando se há deficiência partindo-se da Lei n.º 14.126 e ao lado da situação concreta.
Nessa linha de raciocínio, se a autora apresenta cegueira de um olho, dizendo que refere início dos sintomas há 10 anos (conforme resposta do perito ao quesito 12 do laudo pericial), bem como encontra-se em tratamento para a mesma enfermidade no olho esquerdo, o impedimento de longo prazo está presente, quando menos porque sua participação social e o desempenho das atividades mais corriqueiras nunca foram em igualdade de condições com as demais pessoas.
Mais, não se pode esquecer que a análise da deficiência, é certo, vem sempre atrelada ao contexto social e econômico que a parte autora suporta em seu dia a dia, sempre se devendo saber em qual contexto a autora está inserida.
Trago, para registro, o inteiro teor da Lei n.º 14.126, de 22 de março de 2021, apenas com o fim de reforçar que a visão monocular é classificada como deficiência sensorial, do tipo visual:
"LEI Nº 14.126, DE 22 DE MARÇO DE 2021
Classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais. (Vide)
Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de março de 2021; 200o da Independência e 133o da República."
Na hipótese, presente a deficiência.
No caso, o exame será unicamente da condição de hipossuficiência econômica, motivo da cessação do benefício, razão pela qual não se questiona a condição de deficiente da parte autora.
Do exame da vulnerabilidade econômica, para efeito do pedido de concessão do benefício.
O estudo social (ID 295811379, folhas 98/105), em visita realizada em 09/08/2023, revela que o núcleo familiar é composto pela parte autora, Sra. Maria de Lourdes Lima de Souza e seu esposo, Sr. Israel Antônio de Souza (69 anos de idade). Possuem um filho, Sr. Ismael Antônio de Souza que possui família própria e mora em outra localidade.
A casa onde reside a autora e sua família é própria, construída em madeira, porte médio, possui forração, cobertura em telha e condições gerais de segurança e preservação da individualidade de seus membros. Em seu interior guarnecem eletrodomésticos e mobílias de uso diário, em bom estado de conservação.
A subsistência da família advém tão somente do benefício de prestação continuada recebido pelo Sr. Israel, no valor de 1 salário mínimo. O filho do casal é pastor em uma igreja evangélica e os apoia materialmente sempre que possível.
Despesas da família e o cálculo, assim: i) alimentação (R$ 800,00), ii) água (R$ 170,00), iii) medicação (R$ 300,00), gás (R$ 100,00). Total R$ 1.370,00.
No presente caso, o benefício de prestação continuada recebido pelo Sr. Israel, não será computado para fins de concessão do benefício de mesma natureza pleiteado pela autora, no cálculo da renda per capita, conforme se depreende da leitura do art. 20, §§ 3º e 14 da Lei 8.742/93:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo."
A significar que o exame da vulnerabilidade econômica começa com a renda auferida pelo núcleo familiar, depois sendo adicionados os demais elementos probatórios colhidos na instrução.
Na hipótese em que, considerando as exclusões legais, não haja renda remanescente, é evidente que a situação é de vulnerabilidade ou hipossuficiência econômica, para fins de concessão do BPC/LOAS.
Todos os elementos reunidos, tenho que há deficiência e hipossuficiência econômica caracterizadora da situação de vulnerabilidade necessária ao direito ao BPC/LOAS, inserindo-se a parte autora no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou a amparar, razão pela qual é ele devido."
Reitera-se o quanto ali disposto, eis que os requisitos da deficiência e da hipossuficiência encontram-se presentes.
Conforme restou constatado no laudo médico pericial, a parte autora fora acometida por perda de visão no olho direito há 10 anos devido a um glaucoma e encontra-se em tratamento de glaucoma no olho esquerdo.
As limitações que a visão monocular impõem à parte autora são grandes e restringem em muito a possibilidade de iniciar outro tipo de atividade, mormente considerando a sua idade (61 anos de idade à época da perícia médica em 24.03.2023), grau de instrução e experiência profissional.
Ademais, insta salientar que a visão monocular foi reconhecida como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais, pela recente Lei nº 14.126, de 22/03/2021, corroborando a grande dificuldade, senão ilusória, para a recolocação de seus portadores no mercado normal de trabalho, em condições competitivas e com igualdade de oportunidades em relação às demais pessoas com sentidos favoráveis.
Tais fatos demonstram que, a rigor, a incapacidade da parte autora revela-se total e permanente, sendo forçoso concluir que não lhe é possível exercer outra atividade remunerada para manter as mínimas condições de sobreviver dignamente.
Portanto, presente a incapacidade total e permanente da parte autora.
Nesse sentido, segue precedente desta E. Corte:
E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LEI 8.213/1991. VISÃO MONOCULAR. BENEFÍCIO MANTIDO. - A hipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil - A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, cumprida a carência mínima, quando exigida, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, ao passo que o auxílio-doença destina-se àquele que ficar temporariamente incapacitado para o exercício de sua atividade habitual - A visão monocular foi reconhecida como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais, pela recente Lei nº 14.126, de 22/03/2021, corroborando a grande dificuldade, senão ilusória, para a recolocação de seus portadores no mercado normal de trabalho, em condições competitivas e com igualdade de oportunidades em relação às demais pessoas com sentidos favoráveis - Preenchidos os requisitos legais, é devido o benefício de aposentadoria por invalidez, a partir da data seguinte à cessação do benefício anterior, uma vez que o conjunto probatório dos autos permite concluir que a incapacidade advém desde então - Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada - Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil - Apelo do INSS desprovido.
(TRF-3 - ApCiv: 50089197920194036183 SP, Relator: Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES, Data de Julgamento: 27/05/2021, 9ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 02/06/2021)
No que se refere à hipossuficiência, constatou-se ausência de renda remanescente para cálculo da renda per capita, ante a exclusão prevista no art. 20, §14 da Lei 8.742/93 do valor recebido pelo cônjuge da autora a título de BPC, sendo esta a única fonte de renda do núcleo familiar, evidenciando, assim, a situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Saliento que a referida exclusão é expressa em lei, afastando-se a tese de sua inaplicabilidade.
Por fim, cumpre registrar que é iterativa a jurisprudência desta Colenda Corte no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo na hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, e for passível de resultar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte. Confira-se:
PROCESSO CIVIL - RECURSO PREVISTO NO § 1º DO ARTIGO 557 DO CPC - AUSÊNCIA DE TRASLADO DA DECISÃO AGRAVADA E A RESPECTIVA CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO, OU EQUIVALENTE - PEÇAS OBRIGATÓRIAS - INSTRUÇÃO DEFICIENTE - INTIMAÇÃO PARA REGULARIZAÇÃO - DESCABIMENTO - LEI 9139/95 - DECISÃO MANTIDA -AGRAVO IMPROVIDO.
1. A ausência do traslado da decisão agravada e da respectiva certidão de intimação, ou equivalente, inviabiliza o conhecimento do agravo de instrumento.
2. Na atual sistemática do agravo, introduzido pela Lei 9.139/95, cumpre a parte instruir o recurso com as peças obrigatórias e as necessárias ao conhecimento do recurso, não dispondo o órgão julgador da faculdade ou disponibilidade de determinar a sua regularização.
3. Consoante entendimento consolidado nesta E. Corte de Justiça, em sede de agravo previsto no art. 557 parágrafo 1º do CPC, não deve o órgão colegiado modificar a decisão do relator quando bem fundamentada, e ausentes qualquer ilegalidade ou abuso de poder.
4. À ausência de possibilidade de prejuízo irreparável ou de difícil reparação à parte, é de ser mantida a decisão agravada.
5. Recurso improvido.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, AI 0027844-66.2001.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, julgado em 26/11/2002, DJU DATA: 11/02/2003)
Impõe-se, portanto, a manutenção da decisão agravada, também pelos respectivos e apropriados fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno do Ministério Público Federal.
É como voto.
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Com a vênia da Excelentíssima Senhora Relatora, divirjo quanto ao reconhecimento do requisito de impedimento de longo prazo para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada (BPC/LOAS).
A r. decisão monocrática agravada, mantida pelo voto da Relatoria, entendeu presentes ambos os requisitos legais.
Reconheceu-se, de um lado, a deficiência da autora – portadora de visão monocular há mais de dez anos, em tratamento de glaucoma no olho remanescente – assentando que tal condição, à luz da Lei 14.126/2021, configura deficiência sensorial apta a caracterizar impedimento de longo prazo, sobretudo se ponderados idade avançada (61 anos), baixa escolaridade (4.ª série) e histórico laboral restrito ao serviço doméstico.
De outro lado, reputou-se demonstrada a hipossuficiência socioeconômica: o estudo social constatou renda familiar oriunda exclusivamente de benefício assistencial percebido pelo cônjuge (1 salário-mínimo), o qual foi afastado do cálculo da renda per capita nos termos do art. 20, §14, da Lei 8.742/1993, inexistindo, portanto, renda remanescente.
Somadas as despesas básicas registradas (R$ 1.370,00), concluiu-se pela situação de vulnerabilidade capaz de amparar a concessão do BPC/LOAS.
Reiterada a vênia, divirjo do entendimento adotado pela Excelentíssima Senhora Relatora.
O benefício de prestação continuada é "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família", conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
Quanto à renda familiar, observe-se que os benefícios de valores superiores ao salário mínimo devem ser considerados no cálculo da renda familiar, limitando-se a possibilidade de exclusão apenas à hipótese em que o benefício seja de até um salário-mínimo, não havendo fundamento legal ou autorização jurisprudencial para que o valor equivalente a tal montante seja excluído do total do benefício para, do que sobejar, calcular-se a renda per capita.
Ademais, conforme consignado pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Daldice no âmbito da Apelação Cível de registro n.º 6078022-57.2019.4.03.9999, "a despeito do teor do RE n. 580.963 (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013 – repercussão geral), não há que se falar em hipossuficiência no caso", notadamente quando os elementos de prova estão a indicar a ausência de penúria, revelando, ao contrário, que a parte autora tem acesso aos mínimos sociais.
Quanto ao impedimento de longo prazo, o próprio laudo médico pericial afirmou inexistir incapacidade funcional duradoura, identificando visão monocular sem comprometimento definitivo das demais aptidões da autora, não obstante o reconhecimento legal de deficiência sensorial.
A exigência legal vai além da mera classificação; impõe demonstração concreta de barreiras que impeçam participação plena e efetiva na sociedade – ônus não satisfeito nos autos, pois não se evidenciaram obstáculos intransponíveis às atividades cotidianas ou à reinserção laboral.
Dessa forma, ausente o impedimento de longo prazo, desnecessária a análise do preenchimento do requisito de miserabilidade. Ainda que assim não fosse, cumpre registrar o quanto bem apontado pela Procuradoria Regional da República da 3.ª Região em seu parecer:
Ainda, de acordo com o estudo social de ID.295811379 – p.98/105, decorrente de visita domiciliar realizada em 09/08/2023, o núcleo familiar composto pela autora MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA e seu marido Israel Antônio de Souza NÃO é miserável, na medida em que possuem imóvel próprio, de porte médio, devidamente guarnecido de móveis e eletrodomésticos em bom estado de conservação (ID.295811379 – p.102 – Q.‘p’), bem como recebem auxílio material do único filho sempre que necessário (ID.295811379 – p.102 – Q.‘r’).
Diante das circunstâncias do caso em concreto, a d. Assistente Social concluiu que:
“Ao examinarmos as condições concretas disponíveis para atender às necessidades primárias do núcleo familiar, fica evidente que a autora e seu companheiro têm o mínimo necessário para viver com dignidade. Em outras palavras, o acesso ao Benefício de Prestação Continuada-BPC recebido pelo Sr. Israel tem garantido a segurança alimentar, higiene pessoal e a manutenção do local em que residem.
Um outro ponto positivo a se destacar nesse cenário, também no âmbito material e assistencial, é que o filho da autora mantém uma convivência regular com seus pais e contribui ocasionalmente com as demandas básicas dos idosos, quando necessário.
No que se refere ao tratamento médico e às consultas da idosa, é notável que ela depende exclusivamente do acesso pelo sistema público de saúde, que muitas vezes possui uma demanda reprimida.
Além disso, a necessidade de investir recursos próprios para adquirir sua medicação, como os colírios, acaba sobrecarregando ainda mais um orçamento que já está comprometido com demandas básicas, conforme já exposto neste documento.
Por fim, é evidente que a Sra. Maria conta com um sólido suporte familiar e está ativamente envolvida na comunidade em que reside. Não há, portanto, indícios de invisibilidade tanto no âmbito familiar quanto comunitário” (ID.295811379 – p.104).
Portanto, resta patente que a autora/apelante MARIA DE LOURDES LIMA DE SOUZA não preenche nenhum dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial, razão pela qual se impõe a manutenção da r. sentença recorrida.
Inexistindo fundamento jurídico para a concessão do benefício, deve a decisão ser reformada.
Ante o desprovimento do recurso da autora, majoro em 2% a condenação em honorários advocatícios recursais, nos termos do art. 85, §.º 11, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade decorrente da concessão da gratuidade da justiça.
Posto isso, reiterada a vênia, divirjo de Sua Excelência, para dar provimento ao agravo interno do Ministério Público Federal e reformar a decisão agravada para negar provimento à apelação da parte autora, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, ante a ausência de demonstração dos requisitos legais de impedimento de longo prazo e de miserabilidade.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VISÃO MONOCULAR. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Agravo interno interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática que reformou a sentença de improcedência e concedeu o benefício assistencial de prestação continuada à parte autora, reconhecendo a presença de deficiência sensorial e hipossuficiência econômica, nos termos da Lei nº 8.742/1993 (LOAS) e da Lei nº 14.126/2021.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há duas questões em discussão: (i) definir se a autora, portadora de visão monocular, preenche o requisito legal de deficiência exigido para a concessão do BPC/LOAS; e (ii) estabelecer se está configurada a hipossuficiência econômica do núcleo familiar.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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A visão monocular é expressamente reconhecida como deficiência sensorial, do tipo visual, pela Lei nº 14.126/2021, devendo ser considerada para todos os efeitos legais, inclusive para fins de concessão do benefício assistencial previsto na LOAS.
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O conceito de deficiência, para fins de BPC/LOAS, não se confunde com o de incapacidade laborativa, devendo considerar os impedimentos de longo prazo que, em interação com barreiras, obstruem a plena participação social da pessoa em igualdade de condições com as demais.
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A autora, com 61 anos de idade, baixa escolaridade e histórico profissional limitado à função de empregada doméstica, apresenta cegueira em um olho e encontra-se em tratamento do outro, situação que compromete suas atividades cotidianas e acentua as dificuldades de reinserção no mercado de trabalho.
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O estudo social revela que o núcleo familiar é composto apenas pela autora e seu esposo, cuja única fonte de subsistência é um benefício assistencial no valor de um salário mínimo, o qual, por força do art. 20, §14, da LOAS, não é computado para o cálculo da renda familiar per capita.
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As despesas mensais da família superam a renda auferida, restando demonstrada a situação de vulnerabilidade socioeconômica necessária à caracterização da hipossuficiência.
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A jurisprudência da Corte reconhece que a exclusão legal de benefícios assistenciais ou previdenciários de até um salário mínimo deve ser observada para correta apuração da renda per capita, sendo indevido o indeferimento do BPC quando, desconsideradas essas parcelas, não remanesce renda familiar.
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Ausente demonstração de erro, ilegalidade ou vício na decisão monocrática, a sua manutenção é medida que se impõe, conforme orientação consolidada desta Corte.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
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A visão monocular é classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais, conforme a Lei nº 14.126/2021.
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A caracterização da deficiência para fins de BPC/LOAS deve considerar os impedimentos de longo prazo em interação com o contexto social e econômico da parte autora, e não apenas sua capacidade laboral.
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O benefício assistencial de até um salário mínimo recebido por idoso ou pessoa com deficiência não integra a renda familiar para fins de apuração da hipossuficiência, nos termos do art. 20, §14, da Lei nº 8.742/1993.
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Reconhecida a hipossuficiência econômica e a deficiência legalmente qualificada, é devida a concessão do benefício assistencial.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.742/1993 (LOAS), art. 20, §§ 3º e 14; Lei nº 14.126/2021; Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), art. 2º, §2º.
Jurisprudência relevante citada: TRF-3, ApCiv 5008919-79.2019.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. João Batista Gonçalves, j. 27.05.2021; TRF-3, AI 0027844-66.2001.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 26.11.2002.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal