
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000558-29.2023.4.03.6120
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MARCIANO ALVES DA LUZ
REPRESENTANTE: TEREZA ALVES DA LUZ
Advogados do(a) APELANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000558-29.2023.4.03.6120
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MARCIANO ALVES DA LUZ
REPRESENTANTE: TEREZA ALVES DA LUZ
Advogados do(a) APELANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para declarar a inexigibilidade do débito decorrente do recebimento do benefício assistencial ao deficiente recebido no período entre 11/05/2016 e 01/07/2021, afastando o pedido de restabelecimento do benefício cessado, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido tão somente para declarar a inexigibilidade do débito decorrente do recebimento do mesmo pelo autor.
Verifica-se que houve sucumbência recíproca e a parte autora não teve êxito na parte principal da pretensão de restabelecimento do benefício embora tenha se livrado de restituir o valor recebido, logo, cada litigante foi, em parte, vencedor e vencido, devendo ser proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas (art. 86, CPC).
Dito isso, com fundamento no art. 86, do CPC, cada parte arcará com 50% (cinquenta por cento) do valor dos honorários que fixo em 10% do valor atualizado da causa (equivalente à cobrança feita pela autarquia). Diante da concessão da justiça gratuita, declaro suspensa a exigibilidade dos honorários devidos pela parte autora, incumbindo ao réu demonstrar que deixou a existir a situação de insuficiência de recursos, nos termos e prazos do artigo 98, § 3º, CPC.
Custas de lei, atentando-se para a isenção de que goza a Autarquia que não a exime do dever de ressarcir os valores pagos ao perito (art. 14, § 4º, Lei 9.289/96).
Quanto aos honorários da perita, considerando que foi realizada visita domiciliar em Município distinto, entendo razoável arbitrá-los no limite de duas vezes o valor máximo da tabela do CJF (art. 28, § 1º, Resolução 305/2014). Solicite-se o pagamento.
Em suas razões recursais, o apelante sustenta que a sentença aplicou de forma restritiva o critério da renda per capita, ignorando demais elementos adicionais de vulnerabilidade previstos na Lei nº 14.176/2021 e reconhecidos pela jurisprudência. Argumenta que restou amplamente demonstrado nos autos que "a genitora do autor está severamente debilitada, exigindo o uso contínuo de medicamentos de alto custo, como o Xultophy, não fornecidos pelo SUS." Aduz que "esse medicamento, isoladamente, compromete parcela significativa da renda familiar, de modo que a sobrevivência digna do núcleo familiar é gravemente afetada." Afirma que o "laudo pericial apresentado atesta que a única fonte de renda é a aposentadoria no valor de um salário mínimo, destinada a cobrir todas as despesas básicas, incluindo o medicamento não fornecido pelo sistema de saúde público", de modo que "resta caracterizada a situação de “miserabilidade” do núcleo familiar". Assim, requer o provimento do recurso para que a demanda seja julgada totalmente procedente.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do apelo.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000558-29.2023.4.03.6120
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: MARCIANO ALVES DA LUZ
REPRESENTANTE: TEREZA ALVES DA LUZ
Advogados do(a) APELANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: DANIELLE BARBOSA JACINTO LAZINI - SP319732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
V O T O
A questão controversa refere-se à análise do requisito socioeconômico para fins de restabelecimento de benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data da cessação em 01/07/2021 (ID 323586521).
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, “para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação” - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019).
Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021)
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”, (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...)
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Da data do início do benefício (DIB)
Em se tratando de pedido de restabelecimento do benefício assistencial, o termo inicial deve ser fixado na data da cessação indevida.
Nesse sentido:
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DO ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO – AFERIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE O IDOSO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA PROVER A SUA SUBSISTÊNCIA OU DE TÊ-LA PROVIDA PELA FAMÍLIA - MESMO APÓS A EDIÇÃO DA LOAS, VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO - PRESENTES OS REQUISITOS - BENEFÍCIO CONCEDIDO A PARTIR DA INDEVIDA CESSAÇÃO.
1) Segundo o art. 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, o benefício de um salário-mínimo mensal deve ser conferido ao idoso e à pessoa com deficiência, que não possam prover a sua subsistência ou tê-la provida por sua família.
2) Requisitos como a idade e deficiência defluem do disposto na Lei Orgânica da Assistência Social e do laudo médico.
3) Já a prova da possibilidade de se prover a subsistência ou de tê-la provida pela família decorre de condições fáticas que devem ser analisadas, caso a caso, a partir das provas constantes dos autos, com especial atenção para o laudo social.
4) Comprovados todos os requisitos, o benefício deve ser concedido a partir da sua indevida cessação.
5) Apelação do INSS a que se nega provimento, com a manutenção da procedência do pedido nos exatos moldes da sentença recorrida.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004563-97.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal MARCUS ORIONE GONCALVES CORREIA, julgado em 17/07/2024, Intimação via sistema DATA: 23/07/2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO DE APELAÇÃO. ERRO MATERIAL. EXISTÊNCIA.
- São cabíveis embargos de declaração quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, bem como quando há erro material a ser sanado. Não servem os embargos de declaração para a rediscussão da causa.
- O acórdão embargado contém o erro material apontado, em relação ao termo inicial do restabelecimento do benefício, o qual fica corrigido para fazer constar que a parte autora tem direito ao restabelecimento do benefício desde a data a cessação, em 01/10/2021.
- Embargos de declaração acolhidos.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000676-48.2022.4.03.6117, Rel. Desembargador Federal GABRIELA SHIZUE SOARES DE ARAUJO, julgado em 26/09/2024, Intimação via sistema DATA: 26/09/2024)
Do Caso Concreto
Trata-se de pedido de restabelecimento de benefício assistencial ao deficiente.
De início, cumpre esclarecer que a ação de restabelecimento do benefício cumulada com a declaração de inexigibilidade de crédito fiscal foi proposta tendo em vista a sua cessação em decorrência de a renda per capita familiar ter superado 1/4 do salário mínimo, ensejando a cobrança dos valores pagos a título de BPC/LOAS no período de 11/05/2016 e 01/07/2021.
A sentença julgou a ação parcialmente procedente apenas para declarar a inexigibilidade do crédito fiscal. A apelação, portanto, restringe-se ao pedido de restabelecimento do benefício.
O requisito da deficiência é incontroverso, não havendo impugnação quanto a este ponto.
Com efeito, no que concerne à incapacidade financeira, o estudo social (ID 323586536), realizado em 22/11/2023, demonstrou que o autor reside com sua genitora (Sra. Tereza) em imóvel simples cedido por terceiros, composto por sala, dois quartos, banheiro, cozinha, área de serviço e garagem, dotado com móveis básicos em bom estado de conservação. A residência encontra-se em bairro periférico e distante de mercado, farmácia, posto de saúde e hospital.
A renda familiar é composta apenas pela aposentadoria percebida pela Sra. Tereza no valor de 1 salário mínimo.
As despesas essenciais declaradas, por sua vez, ultrapassam a renda mensal do núcleo familiar, perfazendo aproximadamente R$2.000,76.
De todo modo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.
Acrescento, ainda, que o requisito da renda familiar não é o único a ser analisado a fim de verificar a situação de vulnerabilidade da requerente, sendo indispensável a análise do contexto em que está inserida, conforme se depreende do artigo 20-B da Lei 8.742/93:
Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
Veja-se que o laudo médico-pericial realizado no âmbito do próprio INSS por ocasião da concessão do benefício, em 12/11/2007, confirma que o autor, nascido em 30/01/1992, é inapto, apresentando o histórico de crises convulsivas desde os 2 anos de idade, além de atraso no desenvolvimento cognitivo (ID 323586513).
O relatório psiquiátrico, datado de 05/01/2023, constante do processo administrativo atesta que o autor está em tratamento devido a quadro de retardo mental leve/moderado com comprometimento do comportamento, apresentando limitações tais como não reconhecer dinheiro, não saber fazer contas, não ser capaz de ler e escrever corretamente, além de também possuir diagnóstico de epilepsia (ID 323586514).
Ainda, extrai-se do laudo social (ID 323586536) o fato de que a genitora do autor possui idade avançada, contando hoje com 64 anos, utiliza andador e é portadora também de algumas comorbidades, dependendo da aquisição de medicamentos de alto custo, como se pode verificar das notas fiscais de compra no processo administrativo (ID 323586514), o que compromete a única renda familiar decorrente da sua aposentadoria.
Ressalta-se que, nos termos do artigo 20, §14, da LOAS, há previsão expressa de exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo percebido por deficiente ou idoso (acima de 65 anos) na composição da renda para fins de concessão de BPC.
Assim, levando em conta o contexto apresentado, a principio não parece razoável considerar a aposentadoria percebida pela genitora para fins de cálculo da renda per capita.
De qualquer forma, ainda que se considere tal rendimento, mesmo assim, entendo que o benefício deve ser concedido, com base no disposto no artigo 20-B da Lei 8.742/93, tendo em vista o histórico de saúde do autor, que certamente demanda cuidados extras, em razão da sua dependência para realização das tarefas diárias, conforme se depreende do laudo social, bem como devido aos custos com medicamentos por parte da genitora, comprometendo parte considerável de sua renda.
Nesse prisma, de acordo com o entendimento acerca da razoabilidade de considerar o valor numérico conjugado com outros fatores indicativos da situação de hipossuficiência, está demonstrado o risco social.
Logo, verifica-se que o requisito socioeconômico foi cumprido.
Nesse mesmo sentido é o parecer do i. representante do Ministério Público Federal:
Por outro lado, com relação ao segundo requisito, verifica-se que o núcleo familiar do apelante está em situação de vulnerabilidade social
Com efeito, o Estudo Social (id. 323586536) atestou que o ora apelante mora com sua mãe, sendo que ambos atualmente sobrevivem com os proventos de sua aposentadoria, no valor mensal de R$ 1.320,00. Todavia, a genitora e curadora tem gastos de saúde pessoais, os quais comprometem quase a metade desse valor.
Nesse sentido, como bem exposto no parecer ministerial ao id. 321362215:
"10. Muito embora a mãe do autor ainda não tenha alcançado 65 anos, para que se possa invocar a incidência do §14, do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, é certo que ela fez prova de que depende, para manutenção da sua própria saúde, do uso contínuo dos fármacos xultophy, puran, benicar, ablok, etenocel, metformina, omeprazol, citoneurim e lisador (id. 318075144). Desses medicamentos, os seguintes podem ser fornecidos gratuitamente pelo Município de Araraquara/SP, onde ela reside: puran, atenocel, metformina e omeprazol [1] . Os demais não são fornecidos quer pela municipalidade, quer pelo Estado de São Paulo [2] . Digno de nota que, apenas com o xultophy, cerca de metade da renda familiar já fica comprometida (ids. 319711902 e 318075146).
11. Ora, segundo a melhor inteligência do art. 20-B, III, da Lei nº 8.742/1993, essas despesas devem ser decotadas quando do cálculo da renda familiar. Com efeito, não faz sentido desassistir a saúde de uma pessoa da família para que se possa manter outra. Isso feriria direitos e garantias fundamentais e mesmo princípios fundantes da República.
12. Ademais, segundo a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.112.557/MG, submetido a julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC/1973), a "[...] limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". É nesse mesmo sentido a Súmula nº 11, da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência:
A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.
13. Portanto, no sentir do Ministério Público Federal, o autor sempre fez jus ao benefício de prestação continuada, mesmo quando a sua mãe obteve sua aposentação." (g.n.)
Assim, no caso concreto, foi demonstrado que o apelante está em situação de vulnerabilidade social.
Portanto, considerando o quadro atual de saúde e de condição social da parte autora, há que reconhecer preenchidos os requisitos legais à concessão do benefício assistencial de prestação continuada, de modo que a r. sentença deve ser reformada neste ponto.
Em se tratando de pedido de restabelecimento do benefício assistencial, o termo inicial deve ser fixado na data da cessação indevida, ou seja, em 01/07/2021.
Ressalte-se que cabe ao INSS proceder à revisão bianual das condições que ensejaram a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, nos termos do artigo 21 da LOAS, devendo cessar o pagamento do amparo no momento em que constatada a superação de tais condições, ou em caso de morte do beneficiário.
As prestações vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Os valores pagos na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de benefícios inacumuláveis no período, deverão ser integralmente abatidos do débito.
Consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Custas e despesas processuais
A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003.
A isenção, por sua vez, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovada nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/96.
Por fim, caberá à parte vencida arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC.
Dos honorários advocatícios
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do art. 85, §§ 3º a 5º, do CPC; e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111/STJ).
Dispositivo
Ante o exposto, dou provimento à apelação para determinar o restabelecimento do benefício desde a cessação indevida em 01/07/2021, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. RESTABELECIMENTO. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE CONFIGURADAS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AMPARO ASSISTENCIAL DEVIDO. RECURSO PROVIDO.
1. O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, consiste na "garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família" (art. 20, caput, da Lei 8.742/1993).
2. O conjunto probatório dos autos evidencia preenchidos todos os requisitos legais para concessão do benefício assistencial.
3. O requisito da deficiência é incontroverso, não havendo impugnação quanto a este ponto. A ação de restabelecimento do benefício cumulada com a declaração de inexigibilidade de crédito fiscal foi proposta tendo em vista a sua cessação em decorrência de a renda per capta familiar ter superado 1/4 do salário mínimo, ensejando a cobrança dos valores pagos a título de BPC/LOAS no período de 11/05/2016 e 01/07/2021. A sentença julgou a ação parcialmente procedente apenas para declarar a inexigibilidade do crédito fiscal. A apelação, portanto, restringe-se ao pedido de restabelecimento do benefício.
4. Em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto. Ainda, o requisito da renda familiar não é o único a ser analisado a fim de verificar a situação de vulnerabilidade da requerente, sendo indispensável a análise do contexto em que está inserida.
5. O autor é portador de retardo mental leve a moderado, bem como de epilepsia, sendo dependente da genitora, a qual é pessoa com idade avançada, contando atualmente com 64 anos, além de também possuir comorbidades que ensejam limitações e aquisição de medicamentos de alto custo não fornecidos pelo SUS, o que compromete a única renda familiar decorrente da sua aposentadoria de 1 salário mínimo.
6. Nos termos do artigo 20, §14, da LOAS, há previsão expressa de exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo percebido por deficiente ou idoso (acima de 65 anos) na composição da renda para fins de concessão de BPC.
7. Levando em conta o contexto apresentado, não é razoável considerar a aposentadoria percebida pela genitora para fins de cálculo da renda per capita. De qualquer forma, ainda que assim não se entenda, o benefício deve ser concedido, com base no disposto no artigo 20-B da Lei 8.742/93, tendo em vista o histórico de saúde do autor, que certamente demanda cuidados extras, em razão da sua dependência para realização das tarefas diárias, conforme se depreende do laudo social, bem como devido aos custos com medicamentos por parte da genitora, comprometendo parte considerável de sua renda.
8. Em se tratando de pedido de restabelecimento do benefício assistencial, o termo inicial deve ser fixado na data da cessação indevida.
9. Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
10. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo art. 3º da MP 2.180-35/01, e do art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
11. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
12. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal