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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª TurmaAPELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5138644-12.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: NERIZA SANTINA SILVA Advogados do(a) APELADO: PAULO CESAR VIEIRA DE ARAUJO - MS8627-A, VALDIR ALVES DE ALMEIDA - MS17538-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I OCuida-se de apelação interposta pela autarquia previdenciária em face de sentença que julgou procedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária, desde o requerimento administrativo em 22/4/2024, discriminados os consectários legais, antecipados os efeitos da tutela. Decisão não submetida ao reexame necessário. Em suas razões recursais, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alega a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Requer o retorno dos autos à origem para complementação do laudo. No mérito, alega, em síntese, a ausência de incapacidade laboral para a atividade habitual, bem como a perda da qualidade de segurado, porquanto os recolhimentos realizados como facultativo de baixa renda não foram homologados, a impor a reforma da sentença. Subsidiariamente, requer: “1. A observância da prescrição quinquenal; 2. Na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; 3. A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; 4. A declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; 5. O desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada”. A parte autora, em recurso adesivo, requer a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. Em cumprimento ao despacho, a parte autora juntou aos autos cópia do CadÚnico atualizado. É o relatório.
V O T OO recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Preliminar - Cerceamento de defesa Não prospera a alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Consoante o disposto no artigo 443, inciso III, do CPC, a incapacidade laborativa deve ser aferida por meio de prova documental e laudo pericial. No caso em apreço, nos termos do artigo 370 do CPC, foi produzida prova pericial com o objetivo de apurar a existência de eventual incapacidade laboral. O laudo foi elaborado por perito de confiança do Juízo, contendo histórico das patologias alegadas, descrição dos achados clínicos e registros complementares apresentados, além de respostas aos quesitos essenciais para o deslinde da controvérsia. Assim, não configurada a alega ilegalidade na decisão recorrida, tampouco afronta ao contraditório ou à ampla defesa, mostra-se desnecessária a complementação da perícia. A mera discordância da parte com as conclusões periciais, desacompanhada de justificativa técnica plausível, não constitui motivo suficiente para nova perícia, tampouco para formulação de quesitos suplementares ou outras diligências. Ademais, o perito nomeado possui habilitação técnica para realizar a avaliação, nos termos da legislação vigente, não sendo exigível especialização específica para diagnóstico das moléstias ou para o ato pericial. Nesse sentido, é entendimento consolidado de que não se exige a nomeação de especialista para cada enfermidade alegada. Confira-se: TRF 3ª Região, Processo n. 5014221-50.2023.4.03, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Therezinha Astolphi Cazerta, DJEN 5/8/2025. MéritoDiscute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral. A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019): “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”. Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício. A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão. Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição. Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128). São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social. Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei). O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos. Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema. Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”. Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”. Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”. No caso dos autos, a perícia médica judicial, realizada em 3/7/2024, constatou a incapacidade laboral total e temporária da autora (nascida em 1965, segurada facultativa), por ser portadora de transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia. O perito fixou a data de início da incapacidade em 16/4/2024, de acordo com os documentos médicos apresentados e estimou prazo de 12 meses para tratamento e eventual recuperação da capacidade laboral. Ademais, afirmou tratar-se de incapacidade total, ou seja, para qualquer atividade. Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial. Contudo, os demais elementos de prova dos autos não autorizam convicção em sentido diverso. Os demais requisitos - filiação e carência - também estão cumpridos, pois os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) informam vínculos trabalhistas entre 25/6/1986 e 14/1/2016, recolhimentos como contribuinte individual de 1/12/2016 a 30/9/2017, 1/1/2020 a 28/2/2021, recolhimentos como segurado facultativo de 1/6/2023 a 31/3/2024. De fato, consoante dados extraídos do sistema CNIS, todas as contribuições vertidas pela parte autora como segurada facultativa o foram na condição de "baixa renda", com o indicador de "Recolhimento facultativo baixa pendente de análise". Acerca do recebimento do benefício por segurado facultativo que se dedique unicamente ao trabalho doméstico ou no âmbito de sua residência, sem renda própria e pertencente à família de baixa renda, cumpre destacar o disposto na Lei n. 12.470/2011, que deu nova redação ao artigo 21, § 2º, II, letra "b" e § 4º, da Lei 8.212/1991, possibilitando o recolhimento de contribuições com alíquota de 5%, para garantir o recebimento de aposentadoria por idade (mulher aos 60 anos e homem aos 65), benefício por incapacidade laboral, salário-maternidade, pensão por morte e auxílio-reclusão. Considera-se de baixa renda a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico - e cuja renda mensal não seja superior a 2 salários mínimos. Não obstante as alegações da autarquia contra os recolhimentos das contribuições realizados pela parte autora como segurado facultativo de baixa renda, não há, nos autos, elementos de prova que demonstrem a negativa de validação desses recolhimentos. Pelo contrário, o documento Id. 337115279 (p. 166 - pdf) comprova a inclusão da autora no CadÚnico desde 14/7/2023, com renda mensal inferior a dois salários mínimo, bem como a validade do cadastro, atualizado em 27/7/2024. Ademais, a autarquia não trouxe à colação cópia do procedimento administrativo contra os referidos recolhimentos, e, tampouco, a demonstração de que a foi dada à parte a oportunidade de eventual regularização. Além disso, o indeferimento do benefício ocorreu em razão da não constatação de incapacidade laborativa e não por falta de comprovação da qualidade de segurado, o que também milita contra as alegações do INSS. Não bastasse, trata-se de alegação aduzida somente nas razões da apelação, configurando inovação em sede recursal, vedada em nosso ordenamento jurídico. Desse modo, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, sendo de rigor a manutenção da r. sentença, na esteira dos precedentes que cito: "RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL. 1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais. 2. Recurso improvido". (REsp 501267 / SP RECURSO ESPECIAL 2003/0018983-4 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 27/04/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 28/06/2004 p. 427) "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E TEMPORÁRIA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO A CONTAR DO LAUDO PERICIAL. I - A consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS comprova o preenchimento da carência exigida por Lei e a manutenção da qualidade de segurado da autora quando do ajuizamento da ação. II - As conclusões obtidas pelo laudo pericial comprovam a incapacidade total e temporária da autora para o exercício de atividade laborativa, devendo ser concedido o auxílio-doença . III - Não houve fixação do início da incapacidade, razão pela qual a data de início do benefício deve corresponder à data do laudo pericial. IV - Remessa oficial e apelação do INSS parcialmente providas. Tutela antecipada". (APELREE - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 1497185 Processo: 2010.03.99.010150-5 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento:13/09/2010 Fonte: DJF3 CJ1 DATA:17/09/2010 PÁGINA: 836 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS). Por outro lado, não patenteada a incapacidade total e definitiva para quaisquer serviços, não é possível a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente. Em relação à prescrição quinquenal, esta não se aplica ao caso concreto, pois ela só se aplica às prestações do benefício anteriores a 5 (cinco) anos do ajuizamento da ação. Nesse sentido: TRF 3ª R; AC n. 2004.61.83.001529-8/SP; 7ª Turma; Rel. Des. Fed. Walter do Amaral; J. 17/12/2007; DJU 8/2/2008, p. 2072. Sobre as custas processuais, no Estado de Mato Grosso do Sul, estas serão pagas pela Autarquia Previdenciária ao final do processo, nos termos do artigo 91 do CPC e da Lei Estadual n. 3.779/2009, a qual revogou a isenção concedida na legislação estadual pretérita. Tendo em vista o desprovimento dos recursos de ambas as partes, não incide neste caso a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal. Por fim, quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo que não houve qualquer infringência a dispositivos de lei federal ou constitucionais. Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento às apelações. É o voto. E M E N T A
A C Ó R D Ã OVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
DALDICE SANTANA
Relatora | |||
