A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo o apelo interposto por atender os requisitos de admissibilidade.
Da análise da escritura de partilha
A escritura pública lavrada em 11/10/1983, registrada no Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Lucianópolis/SP, Comarca de Duartina, formalizou a divisão da Fazenda Santo Antônio, situada na antiga comunhão da Fazenda Água Limpa do Serrote, localizada no município de Duartina/SP.
Entre os condôminos, foi atribuída ao casal Reinaldo Fracaroli e Marina Matano Fracaroli (genitores do autor) uma gleba de terras individualizada, denominada Sítio São Pedro, com área de 13,74313 hectares (equivalente a 5,679 alqueires paulistas).
Embora o texto da averbação no registro de imóveis, realizada em 19/10/1983, não mencione expressamente a palavra "rural", todo o conteúdo da escritura e os elementos registrados caracterizam a gleba como imóvel rural com atividade agrícola efetiva.
A propriedade original estava cadastrada no INCRA sob o número 617.083.000.132/2, com área total de 88,33 hectares e fração mínima de parcelamento de 2,00 hectares.
A gleba atribuída a Reinaldo Fracaroli possuía benfeitorias típicas de uso rural, como casa de tijolos coberta com telhas, sirgaria (estrutura utilizada na criação de bicho-da-seda), plantação de amoreiras (destinada a alimentação desta criação), luz elétrica em sociedade e outras pequenas benfeitorias.
Além disso, a escritura contém declaração expressa dos outorgantes de que não industrializam seus produtos e não vendem ao consumidor no varejo, reforçando o caráter estritamente rural da atividade exercida.
Importante destacar que a própria escritura pública reconhece que a divisão do imóvel já havia sido realizada de fato, sendo apenas formalizada e regularizada. Isso está evidenciado no seguinte trecho:
"Considerando feita e acabada a divisão, dando como efetivamente dão, recíproca e irrevogável quitação, transmitem uns aos outros toda a posse, jus, domínio, direitos e ações que na parte dos bens tinham e exerciam, para que cada um dos condôminos possa livremente usar, gozar e dispor como seus, que ficam sendo de hoje para sempre..."
Portanto, essa escritura, de 1983, deve ser considerada como prova documental da atividade rural exercida pelo núcleo familiar constituída por um de seus condôminos, qual seja, o pai do autor, Senhor Reinaldo Fracaroli.
Do reconhecimento dos períodos de 01/01/1981 a 27/08/1985
Durante o primeiro período, João Edson Fracaroli trabalhou com o pai, Reinaldo Fracaroli, na Fazenda Santo Antônio, conforme depoimentos de testemunhas, que corroboram o teor das notas fiscais de produtor rural emitidas entre 1981 e 1983 em nome de Valentim Fracaroli e Irmãos.
A expressão "e irmãos" indica que a atividade rural era exercida em regime de comunhão familiar, e que Reinaldo Fracaroli estava entre os coproprietários e produtores. Portanto, essas notas fiscais representam a produção conjunta da família Fracaroli e são válidas como início de prova material.
A atividade rural era exercida em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, com cultivo de café, amora, milho, mandioca e criação de bicho-da-seda. Os depoimentos confirmam que o trabalho era realizado pela família, e que o autor participava das tarefas desde jovem.
Embora a área total da Fazenda Santo Antônio ultrapassasse 4 módulos fiscais, esse critério não era previsto na legislação vigente à época. A limitação de até 4 módulos fiscais para enquadramento como segurado especial foi introduzida apenas pela Lei nº 11.718, de 20/06/2008. Ou seja, não se pode exigir retroativamente o recolhimento de contribuições como contribuinte individual para o período anterior à vigência dessa norma.
A jurisprudência atual, inclusive o Tema Repetitivo nº 1115 do STJ, reconhece que o tamanho da propriedade não descaracteriza automaticamente o regime de economia familiar, devendo-se analisar o caso concreto.
Aliás, naqueles tempos, a contribuição previdenciária rural era estruturada de forma distinta daquela prevista para o contribuinte individual dos dias atuais.
Havia a retenção de 2,5% sobre o valor bruto da comercialização da produção rural (estando ou não anotada na nota do produtor), efetuada pela empresa adquirente dos produtos, que assumia a obrigação de recolher o tributo em nome do produtor rural - sistema conhecido como sub-rogação. Por outro lado, o produtor rural que declarava sua produção diretamente ao FUNRURAL, como no caso dos autos, estava sujeito à contribuição anual de 12%, prevista no artigo 5º da Lei nº 6.260/75, calculada sobre frações da produção e da área não cultivada. Essa obrigação fiscal recaía sobre o produtor rural equiparado ao empregador rural, ainda que não possuísse empregados permanentes, e não implicava em descaracterização do regime de economia familiar. Essa equiparação funcional, exigida para fins de financiamento do sistema previdenciário rural, não afasta a condição de segurado especial, sobretudo quando a atividade é exercida diretamente pela família, sem estrutura empresarial e com subsistência baseada na própria produção.
É o caso dos autos, conforme demonstra a declaração emitida junto ao FUNRURAL em nome de Reinaldo Fracaroli, datada de 1982, referente ao ano base de 1981, vinculada à localidade de Duartina/SP, onde se situava a Fazenda Santo Antônio. No referido documento, o declarante, pai do autor, afirma expressamente que exercia atividade rural em regime de economia familiar, sem o concurso de empregados permanentes, o que é compatível com a condição de segurado especial prevista na legislação vigente à época.
Tal declaração reforça que Reinaldo Fracaroli era responsável por um núcleo familiar rural, no qual o autor, seu filho, desde jovem, participava das atividades agrícolas, conforme demonstrado pela prova oral, cuja congruência será exposta oportunamente.
A vinculação direta à Fazenda Santo Antônio, somada à ausência de empregados e à exploração conjunta da terra, corrobora a tese de que o trabalho era realizado em economia familiar, sendo o autor parte integrante desse núcleo produtivo.
A partir de 11/10/1983, a atividade rural passou a ser exercida sobre a gleba individualizada denominada Sítio São Pedro, formalmente atribuída a Reinaldo Fracaroli por escritura pública.
Há notas fiscais de produtor rural emitidas em nome de Reinaldo nos anos de 1984 e 1985, vinculadas ao Sítio São Pedro, que comprovam a continuidade da atividade rural familiar após a partilha. Tais documentos reforçam a condição de segurado especial do autor nesse período, com base na exploração direta e familiar da terra, sem empregados permanentes, tomando-se, porém, como marco final a data de 27/08/1985, visto que a partir de 28/08/1985, o autor passou a ter vínculo empregatício em CTPS.
Da confissão do autor em audiência e os pontos convergentes dos depoimentos testemunhais
A confissão do autor em audiência é clara: João Edson Fracaroli declarou pessoalmente que começou a trabalhar aos 13 anos, o que corresponde ao ano de 1981. Essa confissão foi, inclusive, registrada no termo de audiência e também reiterada no recurso de apelação.
Logo, temos uma confissão judicial espontânea e direta, que é plenamente válida como marco inicial para o reconhecimento do tempo de serviço rural, corroborada pela declaração feita pelo seu genitor junto ao FUNRURAL, no ano de 1982, referente ao ano base de 1981.
Os depoimentos de Claudio Donizete Dias, João do Nascimento Zamparo e Valdeci Batista Pires reforçam a existência de atividade rural familiar entre 01/01/1981 e 27/08/1985, corroborando com a prova material trazida nestes autos, destacando-se os seguintes pontos comuns:
a) todos confirmam que o autor começou a trabalhar ainda na juventude, por volta dos 10 a 13 anos;
b) o trabalho era realizado somente pela família, sem empregados permanentes;
c) os três mencionam o cultivo de amora para bicho-da-seda, café, e outras lavouras tais como a de milho e a de mandioca;
d) Claudio Donizete afirma que a família ainda estava na propriedade em 1985/1986; Valdeci estima que o autor saiu por volta de 1985 e João Zamparo menciona que o autor trabalhou até, por volta, de 1987;
e) embora com divergência nas datas, todos reconhecem que a propriedade foi dividida, de fato, entre os irmãos Fracaroli, e que o autor vivia e trabalhava na parte que foi destinada ao seu pai, Reinaldo Fracaroli.
Da análise do conjunto probatório e por não haver fato gerador que justificasse a exigência de recolhimento de contribuições previdenciárias na qualidade de contribuinte individual, feita na sentença, para período anterior à Lei nº 11.718/2008 (20/06/2008), impõe-se reconhecer a atividade rural no período de 01/01/1981 a 27/08/1985.
Da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição
Considerando que o autor possuía, até a DER (01/10/2016), o total de 30 anos, 8 meses e 29 dias de tempo de contribuição reconhecido administrativamente (Num. 44229887 - Pág. 66), e somando-se a esse período o tempo rural de 01/01/1981 a 27/08/1985, que corresponde a 4 anos, 8 meses e 19 dias, obtém-se um tempo total de serviço de 35 anos, 5 meses e 18 dias, o que é suficiente para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, conforme os requisitos legais vigentes à época.
Juros de mora e correção monetária devem ser aplicados em conformidade com as diretrizes consolidadas no Manual de Cálculos da Justiça Federal que vigente estiver na data da liquidação do julgado.
Não há que se falar em prescrição, posto que a presente ação foi distribuída em 12/06/2016.
Condeno o INSS no pagamento da verba honorária fixada em 10% sobre o valor da condenação apurada até a data do presente julgamento, nos termos da Súmula 111/STJ.
Nos termos da fundamentação, dou provimento ao apelo interposto pelo autor.
É o voto.