Embora, nas causas que envolvam a concessão de benefício previdenciário, a apuração do período contributivo e o cálculo da renda mensal inicial devam seguir as informações constantes do CNIS, enquanto base de dados considerada pela legislação como prova de filiação, tempo de contribuição e salário de contribuição (artigos 29-A, caput, da Lei nº 8.213/1991 e 19, caput, do Decreto nº 3.048/1999), a consideração imediata de outros elementos previstos para a suplementação daquele cadastro (artigo 19-B, §1º, do Decreto nº 3.048/1999) é cabível na seguinte hipótese: ausência de resistência do INSS à comprovação dos vínculos de trabalho e das remunerações.
Se a autarquia se atém a afirmar a presunção de veracidade do CNIS, sem questionar os próprios elementos que alimentam a base de dados previdenciários, age de forma contrária à legislação, que reputa relativa a presunção de veracidade e permite a inclusão, exclusão ou retificação das informações a qualquer momento, o que pode ocorrer, inclusive, em incidente de cumprimento de sentença voltado à outorga de benefício previdenciário.
Nesse caso, a comprovação dos vínculos de trabalho e das remunerações não representa objeto litigioso, a ponto de trazer questões novas ao incidente de execução, em extravasamento do título executivo; o segurado se vale de faculdade prevista pela própria legislação previdenciária - prova da filiação, tempo de contribuição e salário de contribuição a qualquer tempo -, em respeito à fundamentalidade e imprescritibilidade do direito social à previdência (artigos 29-A e 35 da Lei nº 8.213/1991):
Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego. (Redação dada pela Lei Complementar nº 128, de 2008)
§ 1o O INSS terá até 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da solicitação do pedido, para fornecer ao segurado as informações previstas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.403, de 8.1.2002)
§ 2o O segurado poderá, a qualquer momento, solicitar a retificação das informações constantes no CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios sobre o período divergente. (Incluído pela Lei nº 10.403, de 8.1.2002)
§ 2o O segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação de informações constantes do CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes, conforme critérios definidos pelo INSS.(Redação dada pela Lei Complementar nº 128, de 2008)
§ 3o A aceitação de informações relativas a vínculos e remunerações inseridas extemporaneamente no CNIS, inclusive retificações de informações anteriormente inseridas, fica condicionada à comprovação dos dados ou das divergências apontadas, conforme critérios definidos em regulamento. (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008)
§ 4o Considera-se extemporânea a inserção de dados decorrentes de documento inicial ou de retificação de dados anteriormente informados, quando o documento ou a retificação, ou a informação retificadora, forem apresentados após os prazos estabelecidos em regulamento. (Incluído pela Lei Complementar nº 128, de 2008)
§ 5o Havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo incluído no CNIS e inexistência de informações sobre remunerações e contribuições, o INSS exigirá a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação, sob pena de exclusão do período.
Art. 35. Ao segurado empregado, inclusive o doméstico, e ao trabalhador avulso que tenham cumprido todas as condições para a concessão do benefício pleiteado, mas não possam comprovar o valor de seus salários de contribuição no período básico de cálculo, será concedido o benefício de valor mínimo, devendo esta renda ser recalculada quando da apresentação de prova dos salários de contribuição.
Naturalmente, se o INSS vai além da alegação de presunção de veracidade, ingressando na própria validade material dos documentos que irrigam o CNIS, o incidente de cumprimento de sentença não pode comportar discussão similar, sob pena de ultrapassagem do título executivo e de conversão do incidente em processo de conhecimento, mediante agregação de causa de pedir e de pedido.
A Décima Turma deste Tribunal se posiciona nesse sentido, seguindo precedentes de outros órgãos fracionários:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RMI. SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CNIS. CTPS, HOLERITES E EXTRATO DO FGTS. PRESUNÇÃO DE RELATIVA DE VERACIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Os dados constantes do CNIS possuem presunção relativa de veracidade, que pode ser afastada mediante a apresentação de documento que comprove o pagamento do salário.
2. Apesar de a discussão inicial não residir na ausência dos salários de contribuição no CNIS, é certo que esta surgiu no momento do cálculo do benefício a ser implantado por força da determinação judicial, não se mostrando razoável postergar a solução para uma nova demanda, sobretudo quando não há qualquer impugnação a respeito da validade dos documentos apresentados como prova.
3. Na qualidade de empregado, eventual não recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias devidas nos períodos não pode ser atribuído ao segurado, nos termos do artigo 30, inciso I, da Lei 8.212/1991, mas tão somente ao empregador, a quem compete ao ente autárquico fiscalizar.
4. De rigor o reconhecimento da possibilidade de comprovação dos valores recebidos pelo empregado no cumprimento de sentença conforme o constante de CTPS, holerites e extrato do FGTS, independente da demonstração do recolhimento das contribuições correspondentes, que cabe ao empregador.
5. Agravo de instrumento provido.
(AI 5014627-59.2024.4.03.0000, Décima Turma, DJ 08/10/2024).
Em análise do cumprimento de sentença, verifica-se que o exequente, para calcular o valor de aposentadoria concedida em juízo, juntou outros elementos de prova das remunerações recebidas no período básico de cálculo (tempo de serviço de 04/2003 a 01/2006, de 04 a 06/2006 e de 10/2006), além das informações do CNIS - recibos de pagamento de salário.
O INSS discordou dos cálculos, sob o fundamentação de que as remunerações apuradas não constam do CNIS, e a retificação da RMI extrapolaria os limites do título executivo.
Observa-se que a autarquia não questionou a eficácia probatória de cada documento admitido, a princípio, para a suplementação do CNIS - recibos de pagamento de salário -, limitando-se a alegar a presunção de veracidade do cadastro e a invocar fundamento processual (coisa julgada), o que contraria o regime previsto para a inclusão, exclusão e retificação da base de dados - comprovação a qualquer momento - e possibilita a resolução da renda mensal inicial no incidente de cumprimento de sentença.
Nessa conjuntura, a decisão agravada, ao determinar que os salários de contribuição do período de trabalho de 04/2003 a 01/2006, de 04 a 06/2006 e de 10/2006 fossem desconsiderados do período básico de cálculo, em acolhimento da conta de liquidação do INSS, deve ser reformada. O exequente trouxe recibos de pagamento de salário do tempo de serviço, o que, aliado à relutância puramente processual do INSS, autoriza o cômputo dos salários de contribuição no período básico de cálculo, em detrimento do uso do salário-mínimo (limite mínimo do salário de contribuição).
Os cálculos da contadoria deste Tribunal devem prevalecer, atribuindo ao crédito exequendo o valor de R$ 178.175,08.
Com a rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, deve haver a inversão dos encargos de sucumbência; o INSS deve ser condenado ao pagamento de honorários de advogado, correspondentes a 10% da diferença entre os cálculos homologados e os oferecidos pela autarquia, segundo o Tema 1190 do STJ ("Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor - RPV".).
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.