
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6097798-43.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SINVAL DE SOUZA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6097798-43.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SINVAL DE SOUZA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
O INSS interpôs apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, reconhecendo a natureza especial dos períodos laborados entre 01/12/1986 e 12/05/1989, 01/09/1989 e 18/01/1995, 26/06/2001 e 28/02/2010, e 01/03/2010 e 26/01/2016, convertendo-os em tempo comum mediante a aplicação do fator 1,4. A autarquia previdenciária foi condenada a implementar o benefício desde a data do requerimento administrativo (26/01/2016) e a efetuar o pagamento das parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e juros de mora, além de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o montante das prestações vencidas até a prolação da sentença. Tutela concedida para a implantação do benefício, sob pena de o INSS arcar com multa diária.
Em suas razões recursais, o INSS alega equívoco do juízo de primeiro grau ao considerar controversos os períodos de 01/12/1986 a 12/05/1989 e de 01/09/1989 a 18/01/1995, sob o argumento de que já teriam sido reconhecidos administrativamente como especiais.
No que concerne aos períodos de 26/06/2001 a 28/02/2010 e de 01/03/2010 a 08/04/2016, relativos à atividade exercida na empresa CERENA Indústria e Comércio Ltda. EPP, o INSS sustenta a ausência de comprovação da especialidade das funções desempenhadas. Argumenta que os níveis de ruído consignados no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) – entre 84 e 89 dB(A), com picos de até 124,7 dB(A) – seriam imprecisos por não indicarem a metodologia de medição do Nível de Exposição Normalizado (NEN), em conformidade com a Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01) da FUNDACENTRO, cuja obrigatoriedade de menção data de 01/01/2004 (Tema 174 da Turma Nacional de Uniformização - TNU). Quanto à exposição a agentes químicos (óleo mineral, graxas, decapantes e poeira metálica), alega a falta de demonstração da habitualidade e permanência, bem como do potencial carcinogênico, e que a ausência de especificação da composição impede o enquadramento qualitativo ou quantitativo (Norma Regulamentadora - NR-15). Aduz, ainda, que o PPP aponta o fornecimento e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) eficazes e suficientes para neutralizar a nocividade dos agentes químicos (ARE 664.335/STF).
A parte autora apresentou contrarrazões ao recurso.
É o Relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6097798-43.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SINVAL DE SOUZA DIAS
Advogado do(a) APELADO: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Compulsando os autos, verifica-se que a sentença reconheceu a especialidade dos períodos de 26/06/2001 a 28/02/2010 e de 01/03/2010 a 26/01/2016 com fundamento na exposição a ruído de 88,4 dB(A), conforme consignado no PPP datado de 14/01/2019.
Assim, as razões recursais apresentadas pelo INSS, no que tange ao agente ruído, estão integralmente alicerçadas no PPP emitido em 08/04/2016 (ID 99396666 - Págs. 1/3). Evidencia-se, portanto, uma clara dissociação entre os fundamentos da apelação e os fundamentos da sentença, que se baseou na exposição a níveis de ruído superiores ao limite de tolerância, com medição realizada segundo a NHO-01 da FUNDACENTRO, informação constante no PPP emitido em 14/01/2019 (ID 99396918 – Págs. 1/4).
Ressalto que o INSS teve ciência inequívoca do PPP emitido em 2019 (ID 99396923 - Pág. 1), sem, contudo, apresentar qualquer argumento específico para infirmá-lo. Essa ausência de impugnação direcionada ao PPP de 2019 robustece o fundamento da sentença e conduz ao não conhecimento da apelação do INSS neste ponto.
Mesmo que se procedesse à análise dos argumentos do INSS relativos aos agentes químicos, não se verificaria interesse recursal nesse aspecto (ante a inutilidade do debate), porquanto a especialidade do labor permanece reconhecida em virtude da exposição ao agente nocivo ruído, devidamente comprovada no PPP de 2019, sendo pacífico o entendimento de que a eficácia dos EPIs não descaracteriza a especialidade neste caso. Isso se deve ao fato de que, conforme o entendimento sedimentado no Tema 555 do C. STJ, o uso de EPI não elide a natureza especial da atividade exercida com exposição ao agente nocivo ruído, ainda que comprovada a sua eficácia, haja vista que o ruído, como agente físico com efeitos deletérios à saúde que não são integralmente eliminados pela proteção individual, enseja o reconhecimento do tempo especial.
Portanto, não conheço da apelação interposta pelo INSS, seja em razão da manifesta dissociação entre as razões recursais e os fundamentos da sentença no tocante ao agente ruído, seja pela inutilidade da discussão acerca da pertinência ou não do reconhecimento da exposição a agentes químicos, uma vez que remanesce incólume o enquadramento da especialidade realizado com base em PPP não impugnado em sede recursal.
Ex officio, contudo, impõe-se a reforma parcial da sentença para consignar que os períodos de 01/12/1986 a 12/05/1989 e de 01/09/1989 a 18/01/1995 já haviam sido reconhecidos como especiais na esfera administrativa, não constituindo objeto de controvérsia judicial. Realiza-se, assim, a correção da fundamentação, sem alterar o resultado da demanda.
Também ex officio, determino a aplicação do INPC como índice de correção monetária dos valores em atraso (Tema 905/STJ), devendo-se observar, na fase de cumprimento de sentença, as diretrizes estabelecidas no Manual de Cálculos vigente à época da execução.
Verifico também que, em prazo razoável, ocorreu a implantação do benefício em cumprimento à ordem judicial (ID 99396938 - Pág. 1 e ID 99396944 - Pág. 1), de modo que, em observância aos princípios da efetividade da jurisdição, da razoabilidade e da adequação da sanção, reputo satisfeita a obrigação e afasto, de ofício, a multa aplicada na r. sentença, considerando que o objetivo das astreintes foi alcançado com o cumprimento da decisão, tornando desproporcional a manutenção da penalidade.
Cumpre elucidar, por oportuno, que a presente decisão enfrenta todos os fundamentos relevantes trazidos nas razões recursais, inclusive os que dizem respeito à suposta ausência de comprovação da especialidade nos períodos controvertidos. A apelação não foi conhecida unicamente em razão da dissociação entre os fundamentos do recurso e os elementos de convicção que embasaram a sentença, especialmente quanto ao agente nocivo ruído, cujo reconhecimento se baseou em documento técnico posterior (PPP de 14/01/2019), não impugnado especificamente pelo INSS. Ainda que se pudesse cogitar de análise subsidiária dos argumentos apresentados, a ausência de impugnação direta ao elemento probatório determinante do julgamento inviabiliza o conhecimento do recurso, não havendo omissão ou negativa de prestação jurisdicional a ser sanada.
No que tange ao período de 27/01/2016 a 08/04/2016 referido no recurso, esclarece-se que o reconhecimento da especialidade foi limitado à data do requerimento administrativo (26/01/2016), marco inicial do benefício concedido, de modo que eventual exposição a agentes nocivos em período posterior é juridicamente irrelevante para o deslinde da controvérsia.
Por fim, a retificação dos fundamentos da sentença, realizada ex officio, não altera o resultado do julgado, restringindo-se a adequar o conteúdo da decisão ao reconhecimento administrativo já constante dos autos, em observância ao princípio da verdade material e sem qualquer afronta aos limites da coisa julgada ou ao contraditório.
Mantém-se o INSS como responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios, nos termos fixados na sentença.
Diante de todo o exposto, não conheço da apelação do INSS e, ex officio, retificar a sentença em seus fundamentos, no que concerne aos períodos incontroversos e à correção monetária, sem qualquer alteração no resultado da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, ficando, ainda, afastada a aplicação da multa em virtude do cumprimento da obrigação quanto à implantação do benefício.
É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AO PPP. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. RETIFICAÇÃO EX OFFICIO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. RESULTADO MANTIDO.
I. CASO EM EXAME
Apelação cível interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, reconhecendo a natureza especial dos períodos laborados entre 01/12/1986 e 12/05/1989, 01/09/1989 e 18/01/1995, 26/06/2001 e 28/02/2010, e 01/03/2010 e 26/01/2016, com a conversão em tempo comum mediante fator 1,4. A autarquia foi condenada a implantar o benefício desde 26/01/2016, pagar parcelas vencidas com correção monetária e juros de mora, e arcar com honorários advocatícios. Foi concedida tutela para imediata implantação do benefício, sob pena de multa diária.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão: (i) definir se há erro na sentença ao considerar como controversos períodos já reconhecidos administrativamente como especiais; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos para o reconhecimento da especialidade dos períodos laborados na empresa CERENA, quanto à exposição a ruído e a agentes químicos; (iii) determinar se é devida a multa diária aplicada em razão do descumprimento da tutela.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- A apelação do INSS não pode ser conhecida quanto à exposição a ruído, pois suas razões se baseiam no PPP de 2016, enquanto a sentença fundamenta-se no PPP de 2019, que apresenta medição superior ao limite legal e realizada segundo a metodologia exigida (NHO-01), não impugnado de forma específica pela autarquia.
- Ainda que superado o óbice de conhecimento, a discussão sobre agentes químicos revela-se inútil, pois a especialidade foi reconhecida com base no agente físico ruído, cuja exposição é suficiente e não elidida pelo uso de EPI, conforme decidido no Tema 555 do STJ.
- Ex officio, deve-se retificar a sentença para constar que os períodos de 01/12/1986 a 12/05/1989 e de 01/09/1989 a 18/01/1995 já haviam sido reconhecidos como especiais administrativamente, não sendo objeto de controvérsia judicial, sem alteração do resultado.
- Também ex officio, a correção monetária deve seguir o INPC, conforme fixado no Tema 905 do STJ, aplicando-se o Manual de Cálculos vigente na execução.
- Em razão do cumprimento tempestivo da ordem judicial de implantação do benefício, afasta-se, ex officio, a multa cominatória, por configurada a satisfação da obrigação e em atenção aos princípios da efetividade, razoabilidade e adequação da sanção.
- A decisão enfrentou todos os pontos relevantes da apelação, sendo o não conhecimento justificado pela desconexão entre os fundamentos do recurso e os elementos probatórios constantes dos autos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Apelação não conhecida. Sentença retificada ex officio quanto aos fundamentos, sem alteração do resultado.
Tese de julgamento:
1.A ausência de impugnação específica ao PPP que embasa a sentença inviabiliza o conhecimento da apelação por dissociação recursal.
2.A exposição a ruído superior aos limites legais, mesmo com uso de EPI, enseja o reconhecimento do tempo especial, conforme o Tema 555/STJ.
3.É possível a retificação ex officio dos fundamentos da sentença para adequação à verdade material, sem violação ao contraditório ou à coisa julgada.
4.A multa cominatória pode ser afastada quando a obrigação judicial é satisfeita em tempo razoável, tornando-se desproporcional sua manutenção.
Dispositivos relevantes: CPC, arts. 489, § 1º, IV, e 1.013, § 3º; Lei 8.213/1991, arts. 57 e 58; Decreto 3.048/1999, arts. 68 e 70; NR-15;
Jurisprudência relevante: STF, ARE 664.335; STJ, REsp 1.614.874/RS (Tema 905); STJ, REsp 1.306.113/SC (Tema 555); TNU, PEDILEF 0505012-79.2017.4.05.8302 (Tema 174).
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal